INDEVIDA PROIBIÇÃO DE VENDA DE ENERGÉTICOS PARA MENORES DE 18 ANOS

Discute-se em diversas casas legislativas sobre a necessidade de se proibir a venda, oferta gratuita e o consumo de bebida energética aos menores de 18 (dezoito) anos.

Em geral, as inciativas legislativas em questão pretendem trazer à baila importante preocupação das autoridades na área da saúde quanto ao consumo de energético por pessoas menores de dezoito anos, especialmente pela sua habitual associação ao álcool em casas noturnas e em festas em geral.

No Brasil, as bebidas energéticas são regulamentadas pela ANVISA por meio da Resolução RDC ANVISA 273/2005 que versa sobre “Compostos Líquidos Prontos para o Consumo”. Essa Resolução estabelece que tais bebidas não podem conter quantidades superiores a 350mg/L de cafeína e 400mg/100ml de taurina. Nesse sentido, uma lata regular de bebida energética de 250ml contém 80mg de cafeína, o que é similar à quantidade de cafeína presente em uma xícara de café feito em casa ou à quantidade de cafeína que há num refrigerante de 600ml.

A Resolução RDC n. 273/2005 também estabelece avisos sobre o consumo de bebidas energéticas por grupos específicos que podem ser mais sensíveis ao consumo de cafeína.

Dessa maneira, a ABIR entende que todas as regulamentações sanitárias para alimentos e bebidas, como é o caso das bebidas energéticas, devem ser feitos pela ANVISA, na qualidade de autoridade técnica e especializada que é, para garantir uma abordagem com bases científicas nessas normas.

Como se sabe, as bases científicas sobre a segurança da cafeína são claras, sendo este um dos ingredientes alimentícios mais estudados. Seu consumo seguro é baseado em um longo histórico de consumo e também por inúmeros estudos clínicos e não-clínicos.

Em verdade, não há nenhuma justificativa científica para a proibição de consumo de bebidas energéticas por menores de 18 anos, pois a sensibilidade à cafeína é um resultado do peso corporal e não da idade. De acordo com um consenso já estabelecido na literatura científica, a maioria dos adolescentes está apta a ingerir uma quantidade de cafeína similar à da população adulta, que é de 400mg por dia – o equivalente a 4 ou 5 xícaras de café feito em casa ou ainda  o mesmo número de latas de uma bebida energética de 250ml.

Bebidas energéticas são atualmente vendidas sem restrições em mais de 165 países pelo mundo, incluindo o Canadá, Estados Unidos, México, Colômbia, Chile, Argentina, Peru e todos os países da América Latina, bem como Espanha, Alemanha, Áustria, Reino Unido, Itália, Austrália, Nova Zelândia, Japão, China, entre outros.

Por outro lado, quanto à associação de energéticos com álcool, é cediço que menores de 18 anos não podem, por lei, consumir ou comprar bebidas alcoólicas. Portanto, essa é uma questão de aplicação das leis já existentes como o principal meio para evitar qualquer potencial consumo de álcool por menores de idade (com ou sem bebidas energéticas).

Não obstante isso, sabe-se que bebidas com cafeína têm sido misturadas com álcool através dos anos e tal mistura não apresenta nenhuma novidade ao consumidor. Alguns exemplos são cuba libre, café irlandês (irish coffee) e outros coquetéis feitos com chás e ervas. Bebidas energéticas não são uma exceção e, além de seus muitos propósitos funcionais, alguns consumidores misturam bebidas energéticas com bebidas alcoólicas da mesma forma que misturam outras bebidas, como refrigerantes à base de cola, água tônica, sucos de fruta ou até mesmo com leite. Nem por isso se diz em proibir a venda de tais substâncias para menores.

Interessante registrar que o Comitê Científico de Alimentos (ou Scientific Committee on Food, SCF), em 2003, e a EFSA, em 2009, não corroboraram com a premissa de qualquer efeito combinado ou interação química entre bebidas energéticas e álcool.

Estudos mostram que a combinação de álcool com bebidas energéticas em comparação com o consumo de álcool individualmente não reduz ou altera a percepção de embriaguez produzida pelo álcool e que os consumidores não sentem diferença na percepção de estarem embriagados.

Em 2013, o Comitê de Toxicidade do Reino Unido (United Kingdom Committee of Toxicity, ou COT), uma das principais autoridades globais sobre o assunto, publicou, após um estudo científico de dois anos, seu parecer final sobre a interação de cafeína e álcool e seus efeitos combinados sobre a saúde e o comportamento. De maneira geral, o COT concluiu que os estudos existentes atualmente não embasam uma interação perigosa, seja tóxica, seja comportamental, entre cafeína e álcool.

Considerando a relevância, autoridade científica e experiência das entidades acima mencionadas, que já analisaram o tópico da ingestão conjunta de bebidas energéticas (e/ou cafeína) e álcool à luz da literatura científica mais recente, e concluíram que não há razão científica para suspeitar de qualquer efeito negativo decorrente da mistura de bebidas energéticas com álcool (além dos efeitos já bem conhecidos do consumo excessivo do álcool em si), conclui-se que não há nenhuma justificação científica para a imposição de uma proibição do consumo de bebidas energéticas por menores de 18 anos.

No plano jurídico, os projetos de leis em trâmite perante casas legislativas estaduais ou municipais não apresentam circunstâncias excepcionais, relativas a questões locais, que justifiquem a adoção de normativa própria a justificar a atuação da competência concorrente ou suplementar no que concerne a normas gerais de proteção e defesa da saúde. Embora a competência para legislar sobre proteção e defesa da saúde seja concorrente da União e dos Estados, estes últimos a detêm de forma supletiva ou complementar, limitada ao atendimento de suas peculiaridades ou, de forma plena, somente quando não existirem normas da União sobre o tema.

Da mesma forma, proibir-se a venda de energéticos para menores em determinadas localidades está inserida, por óbvio, no contexto das relações de consumo, portanto dentro, também, da competência concorrente, e a Constituição Federal reservou as normas gerais para tratar do tema à União (art. 24, V e §1º), deixando para os Estados-membros a legislação supletiva (art. 24, §2º), e para os Municípios o provimento dos assuntos locais, suplementando a Lei Federal e Estadual no que couber (art. 30, l e II).

Além disso, dadas as considerações acima, seria discriminatório, desproporcional e sem justificativa científica proibir os Compostos Líquidos Prontos para o Consumo (bebidas energéticas) para menores de 18 anos, que estão expostos a e consomem cafeína de diferentes formas além das bebidas energéticas, como em café, chocolate ou chás.

No mais, segregar um dos vários produtos que são misturados com álcool é também discriminatório e desproporcional, considerando que os efeitos adversos atribuídos à mistura de álcool e bebidas energéticas são causados apenas pelos bem conhecidos efeitos do consumo (excessivo) do álcool em si, não importando se e com o quê seja misturado e consumido.

Por fim, proibir a venda de energéticos para menores e permitir, por exemplo, a venda de quaisquer outros produtos com cafeína seria uma mera e indevida intervenção estatal na economia em franca violação ao princípio da livre iniciativa, previsto no art. 1˚, IV, e, especialmente o da livre concorrência, previsto no art. 170, IV, ambos da Constituição Federal de 1988.