BISFENOL-A

A presente análise visa estabelecer uma posição institucional da ABIR sobre a viabilidade de projetos de leis que visam proibir a comercialização, em território nacional, de alimentos sólidos, bebidas e medicamentos contidos ou embalados em material cuja composição química contenha Bisfenol-A (BPA).

É certo que as iniciativas legislativas em questão pretendem trazer à baila importante preocupação das autoridades na área da saúde quanto ao consumo de tal substância, em decorrência de possíveis doenças a ela associadas, bem como eventual poluição ambiental relativa ao seu descarte na natureza.

O Bisfenol A (2,2-bis(4-hidroxifenil) propano) é um elemento químico presente no policarbonato utilizado, por exemplo, na fabricação de mamadeiras e copos infantis (chuquinhas), em garrafões retornáveis (20 litros de água mineral), revestimentos de embalagens metálicas de alimentos e em outras embalagens e utensílios.

O uso do Bisfenol A é regulamentado pela ANVISA por meio da Resolução RDC no 105/1999 (anexo) e da Resolução RDC 17/2008 (anexo). A Resolução 105/1999 traz o regulamento técnico sobre embalagens e equipamentos plásticos em contato com alimentos, enquanto a Resolução 17/2008 refere-se à lista positiva de aditivos para materiais plásticos destinados à elaboração de embalagens e equipamentos em contato com alimentos.

As duas resoluções da ANVISA estão harmonizados no MERCOSUL por meio da Resolução GMC 32/2007 (anexo) e valem para os quatro países integrantes do bloco, sendo que as suas alterações dependem de aprovação no âmbito do Mercosul.

A Resolução RDC 17/2008, da ANVISA, estabelece como Limite de Migração Específica (LME) 0,6 mg de Bisfenol A por Kg de alimento ou simulante.

Segundo estudos que avaliaram a migração de BPA em mamadeiras, água e alimentos embalados em latas revestidas com vernizes epóxi, a quantidade encontrada nos alimentos ou simulantes foram consideravelmente inferiores ao valor de 0,6 mg/kg e não representam um risco à saúde, considerando a Ingestão Diária Tolerável de 0,05 mg/kg de peso corpóreo/dia estabelecida pela EFSA (European Food Safety Authority).

A própria ANVISA publicou a Nota Técnica 23/2011 que destaca os diversos estudos científicos que embasaram a sua posição adotada em relação ao Bisfenol A e assevera que nenhuma outra agência governamental de saúde internacional proibiu o uso desta substância.

Adicionalmente, a autoridade sanitária competente, in casu, a Anvisa, já impôs a necessidade de estabelecimento de um limite de migração específica para esta substância, quando utilizada em materiais destinados ao contato com os alimentos. Este limite está baseado no nível de ingestão diária desta substância que é tolerável, sem a observação de efeito adverso à saúde.

Da mesma forma, existem limites máximos para cerca de outras 300 substâncias autorizadas para uso em materiais plásticos destinados ao contato com alimentos.

É importante ressaltar que, o estabelecimento de limites de migração específica de substâncias presentes em embalagens em contato com os alimentos, assim como limites para outras substâncias tais como aditivos alimentares, contaminantes em alimentos, resíduos de agrotóxicos em alimentos, é a forma utilizada pelos órgãos reguladores mundiais para o gerenciamento do risco associado à exposição a estas substâncias.

Com relação à migração desta substância, a Anvisa está alinhada com sua missão e finalidade, que é de promover e proteger a saúde da população.

Nesse sentido, é importante ressaltar ainda que o fato de a embalagem ou utensílio estar em contato com o alimento que contém Bisfenol A não implica, necessariamente, a presença desta substância no alimento, em níveis acima daqueles atualmente considerados seguros para consumo diante das evidências científicas disponíveis.

Estudos realizados no Brasil, Canadá, na Austrália, Estados Unidos e países da Comunidade Europeia, mostram que a exposição ao BPA proveniente de alimentos está abaixo do valor de Ingestão Diária Tolerável (TDI) estabelecida pela EFSA.

Esta mesma conclusão também consta no resumo do relatório final da reunião de especialistas promovida pela OMS/FAO (Organização Mundial da Saúde e Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação), em novembro de 2010.

Recentemente, em janeiro de 2015, a EFSA, que é a Autoridade Europeia de Segurança Alimentar, publicou um Nota de Imprensa sobre a segurança alimentar do Bisfenol A.

Enfim, a ABIR entende que todas as regulamentações sanitárias para alimentos e bebidas devem ser realizadas pela ANVISA, na qualidade de autoridade técnica e especializada que é, para garantir uma abordagem com bases científicas nessas normas.

No plano jurídico, tem-se que os projetos de leis em trâmite perante casas legislativas estaduais ou municipais não apresentam circunstâncias excepcionais, relativas a questões locais, que conduzam à adoção de normativa própria a justificar a atuação da competência concorrente ou suplementar, no que concerne a normas gerais de proteção e defesa da saúde.

Embora a competência para legislar sobre proteção e defesa da saúde seja concorrente da União e dos Estados, estes últimos a detêm de forma supletiva ou complementar, limitada ao atendimento de suas peculiaridades ou, de forma plena, somente quando não existirem normas da União sobre o tema.

Da mesma forma, a legislação proibitiva de produtos contendo Bisfenol A está inserida, por óbvio, no contexto das relações de consumo, portanto também dentro da competência concorrente, e a Constituição Federal reservou as normas gerais para tratar do tema à União (art. 24, V e §1º), deixando para os Estados-membros a legislação supletiva (art. 24, §2º), e para os Municípios o provimento dos assuntos locais, suplementando a Lei Federal e Estadual no que couber (art. 30, l e II).

Conforme razões acima explicitadas, verifica-se que a atual legislação brasileira já está alinhada com as preocupações mundiais a respeito dos possíveis riscos da substância Bisfenol A, razão pela qual definiu os respectivos limites de tolerância de sua presença nos produtos a serem utilizados pela população em geral.

A ANVISA, analisando toda a base científica disponível, e no âmbito de sua competência técnica e legal, optou por não proibir o uso do Bisfenol A por não vislumbrar riscos à saúde da população brasileira.
Em tal contexto, a proibição da utilização desta substância, que é utilizada em larga escala pela indústria nacional, seria medida extremamente drástica e desarrazoada, não condizente, portanto, com a ordem constitucional que veda a edição de leis desproporcionais.

Com efeito, adoção do princípio da proporcionalidade em sentido estrito implica a edição de leis adequadas e necessárias em termos de realização do objetivo pretendido de modo a superar a restrição a outros valores constitucionalmente protegidos.

Desta forma, proibir a utilização do Bisfenol A, sem a efetiva demonstração desta medida como medida de segurança, configuraria uma indevida intervenção estatal na economia em franca violação ao princípio da livre iniciativa, previsto no art. 1˚, IV, da Constituição Federal de 1988.