ASPARTAME

A presente análise visa estabelecer uma posição institucional da ABIR sobre a viabilidade de projetos de leis que visam proibir a comercialização do aspartame e o seu uso na composição de alimentos e bebidas.

As iniciativas legislativas em questão pretendem trazer à baila importante preocupação das autoridades na área da saúde com eventuais doenças associadas ao uso do aspartame.

Assim, cumpre discorrer sobre as características da referida substância.

O aspartame é um aditivo alimentar com as funções de edulcorante – “substância diferente dos açúcares que confere sabor doce ao alimento”, e de realçador de sabor – “substância que ressalta ou realça o sabor/aroma de um alimento”, conforme a Portaria SVS/MS nº 540 de 1997.

Quimicamente, o aspartame é uma molécula composta por dois aminoácidos (L-fenilalanina e L-aspártico), ligados por um éster de metila (metanol).

A fenilalanina é um aminoácido essencial, sendo encontrado em muitos alimentos, principalmente no leite e seus derivados. Os indivíduos portadores de uma deficiência rara, denominada fenilcetonúria, não são capazes de metabolizar esse aminoácido, e por isso devem restringir a ingestão de alimentos e produtos que contenham fenilalanina, bem como evitar o consumo de produtos contendo aspartame. Os produtores de alimentos com esse edulcorante em sua composição devem inserir no rótulo a advertência de que o produto “CONTÉM FENILALANINA”, em atendimento à Portaria SVS/MS nº 29 de 1998.

Com relação ao aminoácido L-aspártico, não há falar sequer em restrições à sua ingestão, pois está presente nos mais diversos alimentos proteicos, os quais fazem parte da dieta normal de qualquer indivíduo.

Quanto ao metanol, contudo, reconhece-se como legítima a preocupação referente à sua toxidez enquanto substância química isolada. No entanto, esse composto não se encontra presente apenas no aspartame. Com efeito, em frutas cítricas, tomate e seus derivados, o metanol se apresenta em altos teores e, quando ingerido, é metabolizado naturalmente pelo organismo.

Entretanto, a quantidade de metanol liberada pela digestão do aspartame é muito pequena, e mesmo em doses elevadas, equivalentes à ingestão diária aceitável para o aditivo, resulta no consumo de metanol 200 vezes inferior à dose considerada tóxica ao ser humano.

O aditivo aspartame foi avaliado toxicologicamente pelo JECFA em 1981, recebendo a IDA (Ingestão Diária Aceitável) numérica de 40 mg/Kg de peso corpóreo, o que significa que a ingestão diária aceitável para uma criança de 30 Kg é de 1200 mg de aspartame, enquanto para um adulto de 60 kg é o dobro: 2400 mg. Informações químicas e toxicológicas do aspartame podem ser consultadas no sítio eletrônico do JECFA.

Tais recomendações estão previstas no Codex Alimentarius, que é um fórum internacional de normatização do comércio de alimentos estabelecido pela Organização das Nações Unidas (ONU), por ato da Organização para a Agricultura e Alimentação (FAO) e Organização Mundial de Saúde (OMS), mais especificamente pelo JECFA, que vem a ser justamente o comitê científico internacional de especialistas em aditivos alimentares administrado pela FAO e pela OMS. O JECFA se reúne desde 1956 e realiza a avaliação do risco associado ao consumo de aditivos alimentares, contaminantes, toxinas de ocorrência natural e resíduos de medicamentos veterinários em alimentos, assessorando o Codex Alimentarius em suas decisões.

Esse edulcorante possui poder adoçante 200 vezes maior do que o açúcar e, por essa razão, é necessário um volume muito menor de aspartame para a obtenção do mesmo efeito da sacarose.

Fixadas tais premissas, cumpre discorrer sobre a segurança do uso do aspartame.

Com efeito, é sabido que o uso dos aditivos deve ser limitado a alimentos específicos, em condições específicas e ao menor nível para alcançar o efeito desejado. É proibido, pois, o uso de aditivos em alimentos quando houver evidências ou suspeita de que o mesmo não é seguro para consumo pelo homem. Esses e outros princípios constam da Portaria SVS/MS nº 540/97 – Regulamento Técnico: Aditivos Alimentares – definições, classificação e emprego.

É fato existir um consenso entre diversos comitês internacionais no sentido de que o aspartame é seguro. Vale ressaltar que a segurança dos aditivos é primordial. Antes de ser autorizado o seu uso em alimentos, o aditivo deve ser submetido à adequada avaliação toxicológica. Os aditivos alimentares devem ser mantidos em observação e reavaliados quando necessário, caso se modifiquem as condições de uso. As autoridades competentes devem ser informadas sobre dados científicos atualizados do assunto em questão.

Cabe destacar que a referida Lei Federal n˚ 9.782/99, que define o Sistema Nacional de Vigilância Sanitária e cria a Agência Nacional de Vigilância Sanitária, dispõe, em seu artigo 6o, que a ANVISA “terá por finalidade institucional promover a proteção da saúde da população, por intermédio do controle sanitário da produção e da comercialização de produtos e serviços submetidos à vigilância sanitária, inclusive dos ambientes, dos processos, dos insumos e das tecnologias a eles relacionados, bem como o controle de portos, aeroportos e de fronteiras”.

Assim, caso fosse necessária a adoção de qualquer tipo de cautela e/ou restrição ao uso de aspartame, esta certamente seria adotada pela ANVISA, o que de fato não ocorreu.

Ao revés, justamente com o objetivo de esclarecer as notícias divulgadas na mídia sobre o aspartame, a Gerência Geral de Alimentos da ANVISA publicou o Informe Técnico 17/2006, através do qual assegura que a quantidade de aspartame ingerida pelo consumo de bebidas não é considerada significativa ou indicativa de risco à saúde humana.

Pelo exposto, torna-se possível concluir que o uso do aspartame, de acordo com os níveis estabelecidos nas Resoluções acima, não oferece risco à saúde humana.

Registre-se, adicionalmente, que esta Resolução da ANVISA está alinhada com a legislação comum entre os países do MERCOSUL e com o JEFCA – Comitê Científico de Especialistas da FAO (Organização das Nações Unidas para Alimentos e Agricultura) e da OMS (Organização Mundial de Saúde).

Nesse contexto, a ABIR entende ser prejudicial ao Brasil a adoção de norma própria e dissociada da normatização internacional, uma vez que, além de romper uma tradição diplomática, certamente não atingirá aos fins a que se propõe.

No plano jurídico, verifica-se que os projetos de leis em trâmite perante casas legislativas estaduais ou municipais não apresentam circunstâncias excepcionais, relativas a questões locais, que justifiquem a adoção de normativa própria a justificar a atuação da competência concorrente ou suplementar no que concerne a normas gerais de proteção e defesa da saúde.

Embora a competência para legislar sobre proteção e defesa da saúde seja concorrente da União e dos Estados, estes últimos a detêm de forma supletiva ou complementar, limitada ao atendimento de suas peculiaridades ou, de forma plena, somente quando não existirem normas da União sobre o tema.

Da mesma forma, tais proposições legislativas estão inseridas no contexto das relações de consumo, portanto, dentro da competência concorrente, e a Constituição Federal reservou as normas gerais para tratar do tema à União (art. 24, V e §1º), deixando para os Estados-membros a legislação supletiva (art. 24, §2º), e para os Municípios o provimento dos assuntos locais, suplementando a Lei Federal e Estadual no que couber (art. 30, l e II).

Por outro lado, disciplina o artigo 22, da Constituição Federal, em seus incisos, as matérias de competência privativa da União, podendo o Estado-membro legislar sobre qualquer uma delas apenas com autorização, concedida pela União através de Lei Complementar, conforme estabelece seu parágrafo único.

Dentre o rol de matérias privativas da União, encontra-se o inciso VIII, do artigo 22, que trata do comércio interestadual. Assim, sob o ponto de vista eminentemente jurídico, os projetos de leis que tratam do assunto afrontam a repartição de competências, uma vez que pretendem, ao disciplinar o uso de produtos com o aspartame, com circulação interestadual, impedir o livre comércio desses produtos, exorbitando, assim, sua competência legislativa.

Evidentemente, a proibição, com respeito à comercialização de bebidas e alimentos com aspartame, não se restringe a um Estado ou Município, uma vez que o ciclo da atividade do comércio não se encerra no perímetro desses pontos geográficos, atingindo todo o território nacional.

As regras previstas nas proposições pretendem, em verdade, vedar de forma absoluta e genérica a distribuição e a comercialização de produtos que não atendam ao requisito de não utilização do aspartame, independentemente de sua origem, traduzindo, nesse passo, medida capaz de dificultar e prejudicar sobremaneira o comércio interestadual.

Por fim, tem-se que as propostas legislativas nesse sentido não são úteis e adequadas aos fins a que se propõem.

A ideia de se proibir produtos com aspartame terá o condão de prejudicar a venda de determinados produtos e aumentar a venda de possíveis concorrentes sem qualquer critério cientificamente validado.

Desta forma, estar-se-ia realizando uma indevida intervenção estatal na economia em franca violação ao princípio da livre iniciativa, previsto no art. 1˚, IV, e, especialmente o da livre concorrência, previsto no art. 170, IV, ambos da Constituição Federal de 1988.

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