Alexandre K. Jobim (*)
Escassos são os países do mundo que possuem carga tributária regressiva tão alta quanto o Brasil. Quando os impostos incidem regressivamente sobre produtos e serviços são especialmente penalizados os cidadãos integrantes da base da pirâmide social. O excesso de tributos se reflete nos preços e o resultado dessa cadeia de repasses de custos é a ampliação do fosso que demarca os estratos sociais. No caso específico de refrigerantes, em alguns casos e dependendo do estado onde a mercadoria é vendida, a carga total de tributos agregados ao produto final chega a 40%.
É necessário demarcar o ponto de partida desse artigo, por meio do qual respondo e refuto as argumentações do Procurador da Fazenda Nacional Phelipe Toledo Pires de Oliveira. Há uma semana ele usou esse mesmo espaço democrático do JOTA para defender o que chama de “soda tax”. Leia-se, traduzindo o inglês e a intenção de Oliveira: advogar a favor da criação de mais um imposto no país, dessa vez incidente sobre refrigerantes e outras bebidas não alcoólicas como sucos, chás e isotônicos.
Em sociedades democráticas, impostos jamais se converteram em moderadores de comportamento. Tampouco deveriam sê-lo, longe disso. A Associação Brasileira das Indústrias de Refrigerantes e de Bebidas Não Alcoólicas (ABIR), entidade que presido, tem 59 empresas associadas dos mais diversos portes – pequenas, médias e grandes indústrias –, e defende um princípio basilar: a liberdade de escolha e de consumo.
O conjunto de corporações reunidas na ABIR é representativo e responde por uma arrecadação de mais de R$ 10 bilhões anuais em impostos nas três esferas administrativas – Federal, estadual e municipal – e por 1,6 milhão de empregos diretos e indiretos em todo o país. Há entre nós, na ABIR, a convicção de que a decisão do investidor está assentada na segurança de que haverá sempre um respeito dogmático ao tripé que sustenta as bases do Estado moderno e das sociedades de consumo mais avançadas: previsibilidade para a tomada de decisões, respeito a contratos e preservação do livre-arbítrio do cidadão (que se traduz aqui como liberdade de escolha).
Já se tentou implementar, pelo mundo, experiências tributárias como a proposta pelo procurador Oliveira. Quase todas deram errado.
* Em 2014, no México, a adoção de um imposto sobre bebidas açucaradas chamado de “sugar tax” criou uma crise no mercado de trabalho ao eliminar 10.000 empregos diretos. Além disso, 30.000 pequenos varejistas fecharam as portas em um ano. (Fonte: Instituto Tecnológico Autônomo do México (Itam) “Taxing calories in Mexico”, 2015). Desnecessário dizer que a medida seria devastadora aqui no Brasil, especialmente no momento atual.
* Na Dinamarca, a medida não logrou qualquer impacto na área de saúde. Em outras áreas, afetou os salários dos empregados em empresas do setor, que caíram 0,8%. Além disso, a inflação que passou para 7,5% em um ano. A abolição da taxa, que já abandonada pelos dinamarqueses, teve como justificativa a perda de postos de trabalho e importações nas regiões transfronteiriças.
* Na Austrália, o Ministro da Saúde e do Esporte declarou ser contrário ao aumento de impostos para açúcar para combater a obesidade. Apontou que programas do governo já contribuiam para o controle: a) rotulagem (GDA com estrelas) ajuda os consumidores a escolherem os produtos no supermercado; b) programa de esportes nas escolas; c) um site local, o Guia de Peso Saudável (Healthy Weight Guide), dá dicas de alimentação e atividades físicas; d) parceria com a indústria para intensificar compromissos de redução das porcentagens de açúcar nos alimentos e bebidas industrializados (aqui no Brasil estamos construindo esse acordo com o Ministério da Saúde); e) frutas e vegetais frescos não têm incidência de impostos (Good and Services Tax – GST).
* Na Alemanha o Ministro da Agricultura e Alimentação, Christian Schmidt (CSU), rejeitou imposto sobre as bebidas açucaradas, semelhante àquele que foi anunciado pelo Governo britânico. Schmidt recordou que, em tentativas anteriores de implementação do imposto na União Européia, o mesmo não alcançou os resultados desejados, tendo resultado numa implementação dispendiosa e difícil de gerir.
* Na Holanda, a Ministra da Saúde afirmou que “é muito fácil apontar o dedo à indústria alimentar, impondo restrições e taxando”. Para ela, não há nenhum “remédio santo” e que “políticas públicas bem-sucedidas dependem de uma combinação de ações e ferramentas”. Disse isso na Conference Food Product Improvement, em 2016. Evento da União Europeia.
Afastada, portanto, a linha de argumentação que tenta vender eficácia na criação de mais um tributo a ser somado ao rol de impostos e taxas responsáveis por transformar o ambiente de negócios brasileiro num dos mais caros do mundo para quem empreende, cria empregos e faz a economia girar, há que responder àqueles que veem o “sugar tax” ou “soda tax” como panaceia à epidemia contemporânea de obesidade.
A obesidade é uma doença multifatorial e não existe comprovação científica de que o consumo de refrigerantes e bebidas açucaradas esteja ligado ao surgimento de Doenças Crônicas Não Transmissíveis (DCNTs). Os refrigerantes e sucos vendidos no Brasil, bem como todas as outras bebidas não alcoólicas, possuem suas fórmulas autorizadas pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) e regulamentação de ingredientes definida pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Os produtos são ainda fiscalizados pelos órgãos competentes por meio de diferentes ações como inclusive a verificação de lotes já distribuídos em mercados. As causas da obesidade, como o sedentarismo, a herança genética e a alimentação desbalanceada de parte considerável da população precisam ser enfrentadas com seriedade por meio de programas públicos – e a indústria brasileira de bebidas não alcoólicas sempre se colocou à disposição dos órgãos e instituições de Estado (nos mais diversos níveis) para auxiliar nesse empreendimento.
Dados da pesquisa Vigitel, realizada pelo Ministério da Saúde, constataram uma queda de 40% no consumo de refrigerantes na última década. Curiosamente, a mesma pesquisa aponta aumento de 60% no número de obesos nesse período. Isso é uma indicação óbvia de que a obesidade é um problema multifatorial e que o ataque ao refrigerante escolheu o alvo de maior visibilidade sem discutir as soluções mais eficazes. O consumo per capita anual de refrigerantes no Brasil em 2016 foi de 70 litros, e esse índice tem caído aproximadamente 7% ao ano nos últimos dois anos. No Canadá, por exemplo, o consumo per capita anual de refrigerantes é de cerca de 140 litros. Ou seja,
estamos distantes de ter em nossos padrões de consumo um problema que possa ser apontado como responsável pela obesidade crescente da população. Fazer isso é mera falácia.
De acordo com a análise sobre consumo per capita e o valor energético médio de refrigerantes e sucos industrializados no Brasil, informados pela consultoria Nielsen, uma das mais acreditadas no mundo, constata-se que essas bebidas correspondem a apenas 4% das calorias diárias ingeridas pelo brasileiro – considerada uma dieta de 2.000 calorias diárias. Segundo a Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF), do IBGE, os produtos industrializados respondem por apenas 28% dos açúcares consumidos diariamente pelos brasileiros. A maior parcela, 72%, do açúcar consumido por nossos cidadãos vem do chamado “açúcar de mesa”, aquele que é adicionado pelas pessoas aos próprios alimentos que consome – bolos, biscoitos, doces e sucos caseiros, cafés coados em casa etc. Isso reforça flagrantemente a necessidade de trabalhar a educação alimentar antes de se criar novos tributos destinados a tolher o livre arbítrio do consumidor nacional.
Pesquisa nacional de opinião pública realizada pelo instituto DataPoder360, sob encomenda da ABIR, revela que 78% dos brasileiros acreditam que é papel do governo apenas informar e não direcionar a tomada de decisão do cidadão sobre o que consumir. 65% dos entrevistados responderam ainda que são contra o aumento de impostos sobre refrigerantes e sucos industrializados para redução do consumo. Para a maioria da população, 61% dos entrevistados, a medida tem objetivo meramente arrecadatório e não de saúde pública. Esses dados demonstram o forte apelo em defesa da liberdade de escolha por parte dos cidadãos: 67% acreditam que o Estado já interfere excessivamente no dia a dia das pessoas. No debate sobre impostos, 94% do público respondeu que paga impostos demais e 87% não consideram que o valor arrecadado é bem utilizado pelo governo. Defendemos a liberdade de escolha e o consumo consciente, por isso a oferta de um amplo portfólio de bebidas para os diferentes perfis e momentos de consumo – e de informações claras sobre os produtos, conforme o novo modelo de rotulagem proposto pela indústria brasileira de refrigerantes e bebidas não alcoólicas.
Os resultados da taxação são incertos. Os consumidores podem migrar para produtos mais baratos e até de baixa qualidade dentro da mesma categoria ou escolher itens com as mesmas calorias que não sejam taxados. (Estudo da Oxford Economics, ligada à Universidade de Oxford, e da ONG Centro Internacional de Impostos e Investimentos –
Itic, em junho de 2016). Pelo exposto aqui, fica patente que a promoção de medidas fiscais para prevenir e combater o excesso de peso, a obesidade e o diabetes carece de apoio científico e empírico que demonstre uma relação causal entre o consumo de um alimento ou bebida específica e essas doenças. A recomendação da Organização Mundial de Saúde quanto ao aumento de impostos, esgrimida pelo procurador Oliveira em seu artigo nesse espaço democrático do JOTA, não encontra respaldo ou alicerce em estudos científicos comprobatórios.
(*) Alexandre K. Jobim, advogado, é presidente da Associação Brasileira das Indústrias de Refrigerantes e de Bebidas Não Alcoólicas.
Artigo publicado pelo portal JOTA em 28 de maio de 2018.