O presente texto visa estabelecer uma posição institucional da ABIR sobre os diversos projetos de leis que visam inserir diversas informações nutricionais, como quantidade de açúcares, selos de “qualidade”, obrigatoriedade de inserção de frases de efeitos, etc., nos rótulos dos produtos industrializados.
Obviamente que são louváveis inciativas que pretendem trazer à baila importante preocupação das autoridades na área da saúde quanto ao consumo excessivo de açúcar e outras substâncias normalmente associadas à obesidade e a várias outras doenças, como diabetes e até alguns tipos de câncer.
Assim, em princípio, a ideia de trazer elementos a mais de informação quanto à quantidade de determinados componentes presentes nos alimentos industrializados em sua rotulagem, a fim de prevenir eventuais problemas de saúde na população, soaria louvável, desde que da forma adequada aos fins a que se propõe, o que não se tem verificado cotidianamente.
A ABIR defende a simplificação da rotulagem, de forma que assegure ao consumidor informações claras, corretas, precisas, ostensiva, e principalmente úteis, sobre suas características, qualidades, quantidade, composição, preço, garantia, prazos de validade e origem, entre outros dados, bem como sobre os riscos que apresentam à saúde e segurança, conforme preceitua o Código de Defesa do Consumidor.
As informações constantes hoje, nos rótulos dos produtos alimentícios, seguem normas traçadas pela União, através do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento e da Agência Nacional de Vigilância Sanitária – ANVISA. Ressalte-se, ainda, que essas normas resultam da internalização dos acordos firmados pelo Brasil no MERCOSUL e estão formatadas de modo a fornecer ao consumidor o maior número de informações possíveis pertinentes aos produtos.
A Resolução RDC ANVISA no 360/2003 – Regulamento Técnico sobre Rotulagem Nutricional Obrigatória, também harmonizada no Mercosul, estabelece critérios para declaração da Informação Nutricional nos rótulos dos alimentos embalados. Assim, atualmente, o consumidor, ao ler o rótulo, possui as informações sobre as quantidades absolutas de nutrientes, bem como o percentual que essa quantidade ingerida representa em sua dieta diária.
É importante considerar que a legislação brasileira está alinhada com o Codex Alimentarius, que é um fórum internacional de normatização do comércio de alimentos estabelecido pela Organização das Nações Unidas (ONU), por ato da Organização para a Agricultura e Alimentação (FAO) e Organização Mundial de Saúde (OMS).
Nesse contexto, a ABIR entende ser prejudicial ao Brasil a adoção de norma própria e dissociada da normatização internacional, uma vez que, além de romper uma tradição diplomática, certamente não atingirá aos fins a que se propõe.
Com efeito, a disciplina federal existente hoje, em consonância com a legislação internacional, ao tratar das normas de rotulagem dos alimentos, por si só, garante a todo e qualquer consumidor conhecer as características da composição do alimento antes da aquisição, permitindo, portanto, a escolha de alimentos. Daí se depreender que eventual escolha equivocada de alguns alimentos pela população em geral deve-se à falta de políticas públicas que visem à educação e orientação nutricional da população e não à ausência de informação adequada nos rótulos.
Do mesmo modo, não são recomendáveis a pretendidas inserções de frases de efeito quanto à nocividade de determinados elementos, como o açúcar por exemplo. Isso porque os projetos de leis nesse sentido não estabelecem, e nem poderiam, em razão da absoluta falta de critérios científicos validados, quais critérios nutricionais deveriam ser considerados para a fixação da quantidade deste elemento em produtos das mais diversas espécies.
Repita-se: não existem, em órgãos técnicos governamentais ou não, critérios cientificamente validados para se definir características nutricionais dos alimentos, que permitam a inserção de frases de alerta no rótulo das embalagens.
Com efeito, o único consenso existente no meio acadêmico-científico é que o crescimento das doenças associadas à obesidade não é decorrente do consumo responsável em si de produtos considerados de baixo teor nutricional, mas, especialmente, pelo próprio sedentarismo, ou seja, pela drástica redução da prática de atividades físicas e aumento de hábitos que não geram gastos calóricos, enfim por uma importante mudança no estilo de vida, determinada por fatores culturais, sociais e econômicos.
Sabe-se que até mesmo o consumo excessivo de água pode aumentar o risco de hiponatremia, que é a queda do nível de sódio sanguíneo, podendo causar torpor, confusão e até convulsões.
Portanto, não é consumo de produtos considerados em diversos projetos de lei como de baixo teor nutricional o causador de doenças. Em verdade, o que é condenável é o mau consumo de qualquer produto.
Enfim, como se sabe, a obesidade, por exemplo, é um fenômeno complexo, de causas multifatoriais. O fenótipo obeso é determinado não apenas pela superalimentação, mas também por fatores genéticos e pelo desequilíbrio no balanço entre a ingestão de alimentos e o gasto de energia.
Nesse particular, importante destacar, que as recomendações da Organização Mundial da Saúde – OMS, relativas à diminuição da ingestão de nutrientes como açúcares livres, sal (sódio) e gorduras, referem-se sempre à dieta da população e não ao alimento individualmente considerado.
Em face do exposto, chega-se à fácil conclusão que a preocupação que deve ser erigida ao patamar mais alto é o de uma verdadeira educação alimentar correta.
A formação de hábitos alimentares saudáveis só pode ser obtida por meio do conhecimento dos conceitos de VARIEDADE, EQUILÍBRIO e MODERAÇÃO – educação alimentar – que permitam os consumidores fazer suas escolhas de forma correta.
A educação alimentar, alinhada com hábitos saudáveis de vida, especialmente exercícios físicos adequados, propiciam saúde, com evidente diminuição de riscos doenças. O importante é que, a população saiba disso, através de campanhas educativas, bem constituídas e direcionadas.
Tal o quadro, é fundamental que as intenções de inserção de frases de alerta em rótulos dos alimentos sejam melhor avaliadas. Isto porque determinado alimento que possa eventualmente ter uma maior quantidade de açúcar, pode ser uma excelente fonte de outros nutrientes importantes para a manutenção da saúde. No entanto, em razão da frase de alerta, o consumidor pode ser levado a entender que o alimento é “perigoso” e deixar de consumi-lo.
Neste caso, ao invés de auxiliar a população a escolher os alimentos e melhorar suas condições de saúde, pode, inclusive, confundir e desinformar o consumidor.
No plano jurídico, tem-se que os projetos de leis em trâmite perante casas legislativas estaduais ou municipais não apresentam circunstâncias excepcionais, relativas a questões locais, que conduzam à adoção de normativa própria a justificar a atuação da competência concorrente ou suplementar no que concerne a normas gerais de proteção e defesa da saúde. Da mesma forma, a temática da rotulagem está inserida, por óbvio, no contexto das relações de consumo, portanto também dentro da competência concorrente.
De igual modo, disciplina o artigo 22, da Constituição Federal, em seus incisos, as matérias de competência privativa da União, podendo o Estado-membro legislar sobre qualquer uma delas apenas com autorização, concedida pela União através de Lei Complementar, conforme estabelece seu parágrafo único. Dentre o rol de matérias privativas da União, encontra-se o inciso VIII, do artigo 22, que trata do comércio interestadual.
Assim, sob o ponto de vista eminentemente jurídico, os projetos estaduais e municipais afrontam a repartição de competências, uma vez que pretendem, ao disciplinar a rotulagem de produtos com circulação interestadual em seu território impedir o livre comércio desses produtos, exorbitando, assim, suas competências legislativas.
Por fim, a ideia de se inserirem frases de alertas em alimentos como refrigerantes e similares (não fazendo sequer ressalva quanto àqueles dietéticos) terá o condão de prejudicar a venda de determinados produtos e aumentar a venda de possíveis concorrentes sem qualquer critério cientificamente validado quanto ao seu teor nutricional.
Desta forma, estar-se-ia realizando uma indevida intervenção estatal na economia em franca violação ao princípio da livre iniciativa, previsto no art. 1˚, IV, e, especialmente o da livre concorrência, previsto no art. 170, IV, ambos da Constituição Federal de 1988.
Portanto, considerando-se a necessidade de obediência do processo de edição das leis aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, mostram-se inadequadas propostas legislativas nesse sentido.